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Menino Henry

O choque diante da morte violenta de um menino de apenas 4 anos é também um alerta para a necessidade de escutar as crianças e identificar sinais de sofrimento, negligência e/ou violência.⠀

Henry manifestou ansiedade. Era uma criança acuada, com medo, tinha vômitos frequentes, choro constante. Verbalizou que não gostaria de voltar para casa da mãe. ⠀

As crianças comunicam suas emoções e vivências. É necessário escutá-las, considerar com responsabilidade o teor do que dizem, assim como atentar para a qualidade dos laços de apego que estabelecem com seu entorno.⠀⠀

Alguns mitos sobre o amor materno e paterno ainda permanecem em nosso imaginário social. Porém, os laços de amor e de cuidado são construídos. Nem todo adulto que gera uma criança é capaz de cuidar e proteger, por isso o cuidado com uma criança é um dever da família de maneira ampla, extensivo à sociedade e ao Estado. ⠀

Freud nos ensina que é somente no laço que o ser humano pode desenvolver a mansidão, a capacidade de amar e de considerar o outro, de fazer florescer a empatia. Que esse laço se faça no olhar de cada um de nós. Afinal de contas, como aponta o provérbio nigeriano, “é preciso uma vila inteira para cuidar de uma criança”.⠀⠀

NUPIA – Núcleo de Psicanálise da Infância e Adolescência.⠀
🔹https://www.spfor.com.br/⠀

E A CRIANÇA DESCOBRIU QUE A DOR NA ALMA É MAIS PERENE QUE A DOR NO CORPO.

Lourdes Negreiros
Membro efetivo da Sociedade Psicanalítica de Fortaleza Coordenadora do Nupia
Núcleo de Psicanálise da Infância e Adolescência

As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças
(Manoel de Barros)

De repente a criança de 6 anos sente seu corpo sendo constantemente invadido e persuadido a se entregar. Seu primeiro movimento seria a recusa, a repugnância, a resistência, se tudo isso não fosse inibido por um medo intenso. Entre perplexa e paralisada assiste sua infância ser roubada e se perde entre o susto e o horror.

Poderiam ser estes alguns dos sentimentos vividos pela menina que ocupou a mídia e que na própria cabeça já não sabia mais, qual lugar deveria ocupar?

Infância implica condição de dependência e cuidados, envolve confiança no adulto e na sociedade em que está inserida, solicita sentimentos ternos de amor e compreensão. Infância exige proteção.

Aos 6 anos uma menina descobre que o adulto familiar, supostamente responsável por zelar pela infância, era capaz de tripudiar sob sua fragilidade e violar sua mente de criança. E bruscamente aos 10 anos constata também, que seu corpo agora gera outra criança! Entende do modo mais triste possível que um corpo, teimosamente, é capaz de atropelar a infância e enveredar por destinos obscuros onde seus olhos de criança seriam incapazes de enxergar.

Confusão entre mente e corpo, certo e errado, verdadeiro e falso, dor e vergonha, raiva e medo ocupam sua mente.

Estamos diante de uma ação com consequências físicas e psicossociais graves que afetam a saúde e comprometem o bom desenvolvimento psíquico.

Estamos diante de um abuso sexual de criança. Abuso que culmina numa gestação indevida sem espaço no universo das capacidades infantis. Uma experiência com algumas consequências dificilmente reparáveis vividas no terreno do desenvolvimento da sexualidade.

Essas ditas experiências pela violência que impõem a um aparelho psíquico em estruturação, não encontram condições para serem digeridas. Esse momento precisa ser cuidado por adultos responsáveis que possam ajudar a metabolizar os sentimentos confusos originados a partir do ato intrusivo.

A vida de uma criança virou palco de especulações, sua história foi divulgada pela mídia e sua experiência tem sido alvo das mais variadas críticas. Sua intimidade se transformou em objeto de voyeur.

A vítima vira ré, a dor é transformada em culpa, o medo encontra eco nas incertezas que permearam os dias que antecederam o cumprimento da decisão judicial.

Parece que o abuso não parou no ato do tio. O abuso permanece dia a dia alimentado por especulações e por alguns posicionamentos radicais defendidos por uma parte da sociedade.

Sim, essa criança foi e continua sendo abusada. Ela é tratada como um adulto que deve gerar filhos e responder por seus atos. Ela é culpabilizada e inserida num status de suposta mãe que renega o filho. Não entraremos no mérito do certo ou errado, mas talvez seja imprescindível olhar de perto a desorganização que está sendo imposta ao universo mental dessa criança.

O Estatuto da infância e adolescência enfatiza: Toda criança deve crescer em um ambiente de amor, segurança e compreensão. As crianças devem ser criadas sob o cuidado dos pais, com direito a proteção especial, e a todas as facilidades e oportunidades para se desenvolver plenamente, com liberdade e dignidade. Nenhuma criança deverá será levada a fazer atividades que prejudiquem sua saúde, educação e desenvolvimento. Nenhuma criança deverá sofrer por pouco caso dos responsáveis ou do governo, nem por crueldade e exploração.

Nos últimos dias no meio da nossa já familiar pandemia do Covid, se instaura uma outra pandemia :a que propõe aniquilar a dependência e a imaturidade da infância. E quanto a nós, nesse lugar do adulto destinado a proteger a infância,  o que poderemos fazer?

Nas experiências repetidas de abuso segundo Ferenczi (1933): “as crianças sentem-se física e moralmente sem defesa, sua personalidade é ainda frágil demais para poder protestar, mesmo em pensamento, contra a força e a autoridade esmagadora do adulto que as emudecem, podendo até fazê-las perder a consciência. Mas esse medo, quando atinge seu ponto culminante, obriga-as a submeter-se automaticamente à vontade do agressor, a adivinhar o menor de seus desejos, a obedecer esquecendo-se de si mesmas, e a identificar-se totalmente com o agressor. (p. 117, grifos do autor).

A criança abusada e especialmente a criança abusada por um familiar, vivencia grande dificuldade para fazer o luto pelas etapas perdidas. Sua mente se bloqueia e a sexualidade vê-se colocada no estatuto do feio e culposo. Sua confiança no outro e no mundo são abaladas.

Muitas vezes suas emoções se congelam e ela passa a viver uma espécie de existência vazia, uma não existência. A experiência de dor psíquica inerente ao abuso pode ser recolhida, dando lugar ao ódio por si e pelo outro. E o cenário futuro pode ser cruel para si e para a sociedade. A tarefa de administrar as emoções que transitam entre a dor e a raiva, constitui uma empreitada delicada que consome muita energia e exige muito suporte.

A expectativa de reencontrar em alguém um continente psíquico seguro e de restabelecer o senso de sentido e confiança em si e no outro, dependerá do modo como se sentiu vista e compreendida (ou não compreendida). A possibilidade de ser acolhida por um adulto cuidador que se disponibilize a ajudá-la a pensar e resignificar a violência sofrida, pode ser decisiva nos destinos a serem procurados por suas emoções.

Estamos falando do estatuto daquilo que foi vivido sem ser vivenciado, aquilo que invade parte do psiquismo, mas que não pode ser compreendido. Estamos tratando do que não encontra ressonância no desejo infantil, mas que se instala em seu corpo. Falamos do que não cabe nas experiências sexuais próprias da infância porque estão contaminadas pela mente do adulto.

Como poderíamos construir um espaço de apoio e reparações? Como ajudá-la a revitalizar sua mente de criança?

Parece-nos que será preciso criarmos condições para que a menina possa diferenciar a verdade histórica, da verdade subjetiva, ajudando-a a recuperar as fronteiras entre o que é seu e o que é do outro. Há que se redirecionar a responsabilidade, a culpa e o ato violento para o lugar que lhe pertencem: a mente do abusador. Mente essa possivelmente povoada de prováveis fantasmas e impulsos destrutivos que indicam também a sua própria dor.

No âmbito de mundo interno dessa criança seus conflitos secretos estão emudecidos. A urgência em cuidar do corpo, não dá espaço para pensar. Urge fugir das ameaças, e dos julgamentos. Urge fugir dos medos e da dor.

A notícia passará, mas como terminará sua história pessoal?

Recentemente ao ser preso o abusador atua o seu derradeiro ato abusivo. Afirma que as experiências sexuais eram consensuais, ou seja, coloca o desejo e a responsabilidade pelo ocorrido, na mente da criança. E a menina vê-se agora de frente com uma nova e cruel experiência: ser alvo de julgamentos invertidos onde poderá ser colocada abusivamente no lugar do pervertido.

Ao findar o interesse transitório que essas histórias de vida costumam despertar, como ficará essa criança?

Passados alguns anos será capaz de recuperar a capacidade de confiar e amar, próprias da pulsão de vida?

Terá condições de elaborar sua dor e resignificar sua sexualidade? Em que tipo de adulto se transformará? Para onde se direcionarão os seus afetos?

Estamos diante de muitos questionamentos ainda sem respostas.

A notícia atual da menina de 10 anos é apenas mais uma entre as tantas histórias de abusos sofridas por crianças. O Brasil registrou 17 mil casos de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2019 (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Em 73% dos casos, o abuso sexual ocorreu na casa da própria vítima ou do suspeito e foi cometido por pai

ou padrasto em 40% das denúncias. Segundo dados epidemiológicos (Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde junho / 2018) as meninas são as principais vítimas, principalmente dos intrafamiliares, e a idade de início dos abusos é precoce, entre os 5 e os 10 anos.

Os dados demonstram que a grande maioria dos casos somente são revelados pelo menos um ano depois do início do abuso sexual. Não se trata apenas de estatística. Estamos falando de inúmeras histórias de infâncias violentadas que muitas vezes se perdem no anonimato, no esquecimento ou na ausência de denúncia. São crianças que estão sendo privadas de cuidados essenciais para assegurar um desenvolvimento físico e psíquico saudáveis. Esse cuidado envolve assistência, apoio, empatia e a disponibilidade de tomada de decisões por parte de adultos responsáveis.

Há momentos que exigem escolhas, como diz Cecília Meireles: ou isto ou aquilo.

Neste momento estamos diante de um delicado impasse: ou escolhe-se pensar cada indivíduo no cerne da sua história e do seu desenvolvimento emocional, ou escolhe-se defender decisões padronizadas ignorando a subjetividade e as capacidades inerentes à condição de determinados momentos do psiquismo.

Mas há que lembrar que as escolhas têm consequências para a vítima e para o entorno que a rodeia. Há que lembrar que a criança desprotegida de hoje, alvo fácil de intrusões, em pouco tempo será o adulto de amanhã, capaz de agir com plena autonomia para atuar seus impulsos.

E nos confrontaremos com a realidade inquestionável implícita nos desdobramentos das decisões inerentes à: OU ISTO OU AQUILO!

E as crianças? Conversa com os pais em tempos de pandemia

Por Lourdes Negreiros

Estamos vivendo um momento de muitos desafios nos últimos meses. Abruptamente fomos obrigados a nos recolher e restringir nossos relacionamentos. De repente a casa tornou-se o único lugar onde podemos estar em segurança. Nossos hábitos mudaram e várias incertezas invadiram nossa cabeça. Mas somos adultos e bem ou mal, dispomos de recursos mais maduros para tentar compreender e manejar com as ansiedades que marcam esse período.

E como ficam as crianças no meio dessa estória? O que estaria se passando em suas cabeças diante de tantas mudanças?

Por que não vou mais pra escola? Por que não posso abraçar meus avós?
Por que não desço para brincar com meus amigos? Por que lavar tanto as mãos? Para que essa máscara?
São muitos os questionamentos que podem estar desassossegando as crianças diante das várias mudanças de hábitos que foram implantadas em sua rotina repentinamente. Diante deste cenário os pais estão mobilizando esforços no intuito de dar esclarecimentos e apoio aos filhos o que não tem sido tarefa fácil. A rotina dos adultos também sofreu muitas alterações e a demanda tem sido cansativa em meio às outras tarefas que precisaram assumir.

Neste sentido vamos refletir sobre alguns aspectos que podem ajudar nesse cuidado com as crianças.

• Diante do cenário atual as crianças podem apresentar mudanças em seu comportamento, regredindo a períodos que já haviam sido superados: alterações no sono, na alimentação, no controle dos esfíncteres são reações possíveis de serem observadas. Algumas poderão ter oscilações constantes de humor, agitação, irritabilidade, e agressividade. Outras poderão se mostrar mais sensíveis e inseguras solicitando por exemplo dormir no quarto dos pais. Cada caso deve ser olhado de modo individualizado de acordo com a idade e as características da criança e de sua relação com os pais.
O importante é termos ciência de que essa é possivelmente, uma reação temporária diante das ameaças que atropelaram sua rotina. Vale lembrar que além da perda do convívio com a professora e com os amigos da escola, o espaço físico destinado às crianças ficou restrito à área de apartamentos, limitando seus movimentos e sua atividade lúdica.
Tentar empatizar com os sentimentos das crianças e tolerar as possíveis instabilidades desse momento seria um modo de acolher suas angustias e restaurar sua segurança.

• E importante construir um ambiente onde as crianças se sintam à vontade para fazer perguntas e expressar suas dúvidas e inquietações. Crianças pequenas apresentam recursos limitados para comunicar seus sentimentos pela palavra, mas, acompanhando seus hábitos e alterações de humor, podemos ir criando um espaço onde possa se expressar através de desenhos, contação de estórias, ou jogos. Através do brincar a criança revela suas emoções e encontra capacidade de elabora-las. Enquanto a criança brinca vivencia seus medos como se estivesse no controle da situação o que auxilia no manejo dos mesmos. É essencial que fiquemos atentos também às possíveis alterações nos hábitos alimentares, no controle dos esfíncteres ou em expressões de somatização já que o corpo é uma das vias de comunicação mais efetivas no que diz respeito ao estado emocional da criança. Desse modo dificuldades como recusa ou voracidade para se alimentar, enurese, constipações, estados febris, poderão ocorrer como forma de expressão de suas ansiedades.

As crianças maiores captam de modo mais refinado o cenário de insegurança instalado na atualidade e necessitam de um canal mais direto para esclarecer suas dúvidas.

Torna-se necessário escuta-las e responder às suas perguntas com clareza e verdade. As vezes omitimos realidades deixando-as de fora do que está acontecendo diante de seus olhos.Com essa postura estamos desqualificando suas capacidades e contribuindo para que fiquem à mercê de incontroláveis fantasias.

Aquilo que pode ser conversado tem uma dimensão bem mais digerível para a mente do que fatos ocultos, que assumem a condição de coisas perigosas sobre as quais não se pode falar. Os não ditos, os segredos que negam fatos inquestionáveis, privam as crianças do enfrentamento da realidade podendo gerar dificuldades na promoção de um diálogo aberto com os pais.

•O desenvolvimento emocional necessita do enfrentamento de experiências que incluam algumas faltas ou frustrações. Não podemos prover tudo ou proteger os filhos de várias adversidades que encontrarão, pois do contrário crescerão indefesos e sem recursos para lidar com os obstáculos naturais que encontrarão pela vida. Ou seja: por mais dura que seja uma realidade precisamos ajudar as crianças a nomeá-las e enfrentá-las de acordo com sua maturidade. Elas merecem respostas honestas sobre o que está acontecendo ao seu redor; respostas encaminhadas através de uma linguagem que respeite a necessidade apropriada de cada idade.

•No momento atual é saudável informá-las sobre o vírus e seu risco de contágio assim como sobre as medidas que estão sendo tomadas para combate-lo. Elas devem ser conscientizadas dos cuidados que todos estamos tomando para nos proteger e proteger os outros. Os adultos devem tranquilizar as crianças, compartilhando que a situação pode ser tediosa ou assustadora por algum tempo, mas que acatar as regras ajuda a manter todo mundo em segurança. É essencial que possamos lhes assegurar que é natural sentir medos e que todos sentimos medos quando estamos inseguros. Negar ou minimizar os medos faz com que a criança pense que há algo de errado com ela, que seus sentimentos são inadequados. Na medida em que ela entende que suas emoções são reconhecidas e validadas, pode ir gradativamente encontrando saídas para elaborá-las. O que contribui para diminuir a ansiedade é ir mostrando para a criança que ela pode fazer algo a respeito de seus medos. Conversar sobre o medo do vírus em alguns momentos pode ser a alternativa para lidar com as coisas que estão fora de seu controle. O essencial é que percebam que os pais estarão sempre receptivos para escutá-las.

•A situação de isolamento em que estamos inseridos (apesar dos infortúnios) pode ser aproveitada como uma oportunidade para estreitar o relacionamento com os filhos e participar de modo mais íntimo de suas atividades. Nos últimos tempos as prioridades com as demandas profissionais estão minando os momentos de intimidade e compartilhamento de experiências dos pais com os filhos o que resulta em distanciamentos emocionais que restringem as trocas afetivas entre ambos. Cada família poderá encontrar de modo individualizado suas alternativas para um bom aproveitamento dessa convivência intensa com os filhos na atual época de isolamento social.

•Muita informação e imagens perturbadoras estão chegando por todos os lugares e, parece que o vírus está indomável e próximo de atingir todas as famílias. Se os adultos não estão se sentindo seguros, a sensação não é diferente para as crianças. Vale ressaltar que ao mesmo tempo que elas precisam receber informações, devemos cuidar para que não tenham acesso a noticiários que divulgam dados que estariam além de sua capacidade de compreensão. Para as crianças muitas vezes é difícil distinguir entre as imagens na tela e sua realidade pessoal. No meio de tantos barulhos ameaçadores é importante, informar que os adultos estão cuidando da situação e estudando maneiras de combater o vírus. O momento atual oferece também uma oportunidade para construirmos um diálogo construtivo sobre a responsabilidade coletiva da humanidade.

•Toda criança necessita ser cuidada através de uma rotina de hábitos estável. A chegada da quarentena provocou rupturas na rotina escolar, socialização, convívio com os pais e atividade lúdica. Um esquema de horários regulares de atividades promove segurança e organiza emocionalmente as crianças. O desejável é manter as rotinas regulares o máximo possível, especialmente no que diz respeito à alimentação e horas de dormir. A criança se organiza no ambiente através da rotina. A rotina a sustenta e tranquiliza já que aponta uma certa previsibilidade dos acontecimentos, fator essencial, para o desenvolvimento de um sentimento de segurança no mundo.

• As crianças buscam referências na atitude dos adultos. Sua educação acontece por meio do que falamos, dos valores que transmitimos, mas, sobretudo a partir das nossas atitudes. O que fazemos, e autorizamos que aconteça conosco, será um veículo importante para a construção de suas referências e reações. Mas nenhum pai precisa perseguir um ideal de perfeição. Todos estão sujeitos a falhas e nenhuma criança necessita de pais perfeitos. O que a criança espera é poder contar com sua disponibilidade e cuidado afetivo e as possíveis falhas nesse encontro fazem parte das experiências de frustação necessárias para o seu crescimento emocional.

•Por conta da suspensão das aulas parece estar havendo um excesso de preocupação com a recuperação dos conteúdos escolares. Neste sentido precisamos ficar atentos para que a casa não se transforme num lugar escolarizado e didatizado marcado por excessivas pressões nas relações pais-filhos. A oferta de aulas on line pelas escolas, deve ser vista como um espaço para resguardar uma certa continuidade nas atividades pedagógicas, mas, não podemos minimizar as inúmeras dificuldades encontradas por filhos e pais para dar conta desta tarefa. As aulas online são mais cansativas, e a disponibilidade mental das crianças para um aprendizado sistematizado através de vias tecnológicas, vai depender de inúmeros fatores incluindo seu estado emocional do momento. Certamente findado o período de isolamento o calendário escolar deve ser reorganizado visando retomar os conteúdos perdidos.
Concluo essa conversa compartilhando que, como humanos que somos, tememos o fim do mundo. E quando somos invadidos por uma pandemia ficamos andando às tontas como diz o poeta, assustados com a ideia de fim: fim dos encontros, fim dos abraços, fim das certezas, fim da nossa ilusão de onipotência, fim do mundo. Mas também como humanos que somos, temos a capacidade de pensar, criar, e nos reinventar diante das ameaças. Temos a condição de enxergar que em cada ideia de fim de mundo que nos ronda há sempre uma bela oportunidade de crescer.
Deixo vocês com a poesia de Mario Quintana.

A gente não sabia
A gente ainda não sabia que a Terra era redonda.
E pensava-se que nalgum lugar, muito longe, Deveria haver num velho poste uma tabuleta qualquer— uma tabuleta meio torta e onde se lia, em letras rústicas: FIM DO MUNDO.
Depois nos ensinaram que o mundo não tem fim.
E não havia remédio senão irmos andando às tontas
Como formigas na casca de uma laranja.
Como era possível, como era possível, meu Deus, Viver naquela confusão?
Foi por isso que estabelecemos uma porção de fins de mundo…
(A gente não sabia/Mario Quintana)

Lourdes Negreiros
Psicanalista/membro efetivo da Sociedade Psicanalítica de Fortaleza – SPFOR
Coordenadora do NUPIA – Núcleo de Psicanálise da Infância e Adolescência – SPFOR

“O veredicto”, de Franz Kafka

Ou o estranho caso do pai que manda o filho se afogar e o filho se afoga mesmo.

O autor faz um breve resumo do célebre conto de Kafka “O veredicto” em que, num clima emocional aparentemente harmônico, o pai sentencia o filho à morte e este obedece, declarando, ao se lançar no rio, o seu amor aos pais. O autor analisa o conto sob a perspectiva do pai e do filho numa tentativa de conjugar as compreensões, entendendo a morte de Georg como uma vitória sobre o pai. Agora sim, ele estaria gozando um prazer sexual interminável, eterno, e deixando para o pai toda a culpa e o sofrimento pela falta que sentirá dele. Desta maneira, Georg se transformará no filho amado pelo pai que irá se arrepender eternamente de haver dado o veredicto de morte ao filho, agora e só agora, finalmente, amado. Uma loucura além da loucura shakespeariana, uma loucura kafkiana!

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A civilização da imagem e os vícios eletrônicos

Por Rosane Müller Costa**

Os “vícios eletrônicos” como práticas em sites de relacionamento, jogos on line, sexo virtual ou qualquer uso excessivo em que predomine o caráter de ação impulsiva e irrefreada são examinados como uma nova forma de adicção parte de um contexto maior nominado de civilização da imagem. As transformações sócio-culturais daí provenientes e as repercussões de estarmos nos expondo a realidades cada vez mais virtuais serão consideradas à luz do pensamento de A. Green sobre a estrutura enquadrante, D. Winnicott e o objeto transicional e Freud com a noção de narcisismo.

**Membro Efetivo do GEPFOR e da SPR e professora da Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza.

**Trabalho apresentado na III Jornada do GEPFOR – Limites do Prazer x Prazer sem Limites e no XXIII Congresso Brasileiro de Psicanálise – Limites: Prazer e Realidade

***

O tema “Vícios Eletrônicos” insere-se em um quadro de referência maior concernente à difusão da imagem no mundo moderno. É possível que apenas tenhamos tomado consciência desse fenômeno, e do quanto tem transformado nossas vidas, em um tempo relativamente reduzido. Em verdade, pouco sabemos sobre os efeitos do extraordinário poder dos meios de comunicação conjugados ao poder da imagem e sobre as repercussões de estarmos nos expondo a realidades cada vez mais virtuais.

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Tirésias entre Apolo e Dioniso

Nesse texto, o autor Valton Miranda, faz uma viagem entre os personagens da mitologia e as instâncias do psiquismo humano, apontando as oscilações humanas tão bem representadas através desses mitos. Uma leitura estimulante ao pensamento. Uma viagem pela mente humana desde os mitos citados, com um guia conhecedor profundo de ambos.

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A Função Paterna da Interpletação

Resumo: As funções paterna e materna se complementam sem que possa afirmar a anterioridade de uma função sobre a outra. O autor tenta esboçar nos movimentos transferenciais e contra transferenciais de um material clínico o que fixa a pulsão e o que a faz pendular entre a presença e a ausência permitindo que o estranho se represente.

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Joyce McDougall – Uma Apresentação

Paulo Roberto Ceccarelli
Psicólogo / Psicanalista
in Percurso, São Paulo, Vol.18, p.1O4-1O6, 1997.

“Para um psicanalista, publicar um livro dito de Psicanálise é também de certa forma se
publicar, revelar um fragmento de si.”
A melhor maneira de apresentar Joyce McDougall é convidando o leitor a visitar sua obra.
Autora de 5 livros , traduzidos em mais de dez línguas, dentre as quais o japonês e o hebreu, e de
inúmeros artigos, solicitada à dar conferências no mundo inteiro, até mesmo na India, convidada
pelo Dalai-Lama interessado na importância de Freud na cultura ocidental, Joyce McDougall
soube tirar partido dos conflitos nas Sociedades anglo-saxônicas e francesas, para construir uma
obra pessoal ao abrigo de todo sectarismo.
O compromisso para com a sua própria verdade, torna a obra de Joyce McDougall um trabalho
de referência, onde o leitor é constantemente remetido às suas próprias questões, num continuo
movimento de confrontação com seus aspectos neuróticos, psicóticos, perversos e normopatas.
Joyce McDougall nasceu em Dunedin, na Nova Zelândia para onde seu avô, um inglês chamado
Carrington, emigrou após a falência da Estrada de Ferro Canadense do Pacífico. Os Carrington
são provavelmente de origem francesa oriundos da Normandia. De grande talento para a pintura,
Carrington tornou-se inicialmente instrutor em uma pequena escola do interior onde, além de
professor, organizava e dirigia pequenos espetáculos teatrais com os alunos. Foi por ocasião de
uma apresentação que ele encontra Jane Martin com quem se casa e tem 6 filhos, 5 dos quais são
homens. O pai de Joyce, Harold, foi o quarto. Quando o mais novo dos filhos chega aos 18 anos,
Carrington pode enfim realizar seu sonho: voltar a pintar. Em 1993, ano de seu centenário, a
cidade de Dunedin presta homenagem a seu talento organizando uma importante exposição de
seus quatros.
Harold é mobilizado para a guerra de 14-18 e quando, após a guerra, retorna à Nova Zelândia
traz consigo Lilian uma jovem inglesa, com quem se casa e tem duas filhas; Joyce é a mais
velha.

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Comemoração do Centenário da IPA

Conferência proferida pelo Dr. Paulo Marchon, membro titular da SBPRJ, SPR
e GEPFOR, no dia 26 de março de 2010, quando o GEPFOR comemorou os Cem
Anos da IPA (International Psychoanalytical Association) a entidade fundada por
Freud.

Há 100 anos atrás, como era Viena?
Era a Viena do Imperador Francisco José, inconstante marido da Sissi, a bela
que não se acostumava ao rigoroso protocolo da Corte Austríaca e dele fugia em
viagens constantes, deixando de cuidar do marido, da Corte e de três filhos, até ser
assassinada por um anarquista italiano. Desta forma trágica se acabou o que foi
considerado o casamento do século XIX, naquela que foi considerada a mais bela
festa de todos os tempos, festa que durou uma semana – festa que só Viena era capaz
de realizar, com seus 700 mil habitantes e milhares de nobres vindos de todas as
partes do mundo, além da própria nobreza vienense e magnífica burguesia
enriquecida da Áustria, ávida de cultura e saber. Três filmes com a bela Romy
Schneider eternizaram a versão romântica deste drama humano. Bem antes de
terminar o século o Imperador Francisco José iniciara a transformação completa de
Viena, construindo um magnificente e vasto anel viário em forma de ferradura,
a Ringstrasse, além de dois magníficos museus, bem como o Parlamento e a
Prefeitura neogótica. O romancista Hermann Broch diria anos depois: “o alegre
apocalípse em torno de 1880” (Gay p. 34). Os ricos vienenses completaram a obra do
Imperador e edificaram seus palácios particulares. Mas os judeus continuavam a vir
para Viena, pois se Lueger, o antissemita clássico, era o prefeito que tinha o racismo
como programa de governo, nos outros lugares, Londres e Paris, a situaçào era pior
ainda, como descreve, em detalhes, Peter Gay. (p. 34)

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E o Papa tinha razão.

A Psicanálise é a “cura pela palavra”, e a palavra é um instrumento de poder e alcance intenso que deixa marcas profundas em nossa mente. Desde pequenos, construímos nossas crenças, pensamentos, opiniões e personalidade através do que vivemos, sentimos e ouvimos. Diante disso, pensamos na responsabilidade que tem nossa fala, fundamentalmente quando se trata de uma palavra ou atos de pais para filhos.

O Papa Francisco vem trazendo, através da palavra, mensagens fortes e refletidas, mobilizando e estimulando o diálogo e a paz no mundo, e, com isso, sua imagem vem se tornando forte e muito respeitada nos mais diversos grupos sociais, independente de credos religiosos e políticos.

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